terça-feira, 21 de outubro de 2008

Peça não ordinária

Depois de muitos sóis postos (agitados, dementes, eloquentes) e de muitas luas acordadas (repentinas, sombrias, sonolentas), e de rotações quase imperceptíveis, e de corrupios insolentes, chegava a casa a Frésia. Após ter descodificado o sinal que lhe abria o portal materno, sentiu o aroma prepotente do bolo de laranja, que outrora lhe fizera as delícias. Já sentia saudade, nutria até um certo carinho pelo aposento mágico que tantas noites tivera servido de céu aveludado, onde os sonhos ganharam contornos.
As rotações continuavam, o sol agitado demente eloquente teimava em sair de cena e a lua repentina sombria sonolenta já estava adereçada, preparada para ser empurrada pelo encenador. Já o dramaturgo ambientava a atmosfera, arquitectando uma matiz de azuis nostálgicos. Talvez por isso Frésia sentisse uma enorme vontade em ceder àquela magnífica peça teatral, talvez pela sua beleza. Mas não podia naquele lar pernoitar.
Fez ranger a porta do armário, em jeito de quem o abre. Tacteou pelo seu interior à procura de um copo. Abriu a torneira que fez ouvir o líquido apressado.
Frésia esquecera-se de retirar o ralo do lava-loiças, e talvez por isso tenha tido oportunidade de observar a espessura sinuosa daquele lençol mágico.

5 comentários:

Trandafir_Albastru disse...

Wow. Sem palavras. jerónimo, escritor famoso.

Anónimo disse...

Continuo a afirmar que este meu novo irmão tem uma escrita que impressiona e surpreende! =)

Anónimo disse...

comentários para quê?
Impressionante :)

R1 disse...

Não tenho palavras... Só posso dizer que o texto está emotivo, colorido, consegues transmitir o sentimento de conforto que as palavras transmitem a quem o sabe sentir. Transmites a calma e conforto através de um jogo de sentidos e cores que eu nunca tinha visto escrito em que lado fosse. Em poucas palvras simplesmente genial e realizado com uma mestria notável. Espero por mais.

As Cartas de Maria Violeta disse...

lindo :D