quinta-feira, 26 de junho de 2008

Sol

"Não era isto que eu ambicionava ser.
Toda a minha vida olhava para a janela que me chamava e que tinha braços que pareciam querer acolher-me. Caía na tentação de correr para ela e de espreitar, sempre à espera do momento em que pudesse saltar por ela. Dentro dela existia um novo Mundo, uma nova vida - a felicidade.
Ao lado, exisitia outra janela. Já a tinha aberto, e já conseguia ver o sol lá ao fundo.

(...)

Os anos foram passando, e o sol foi ficando atrás de algumas nuvens cinzentas. Conseguiam ver-se alguns animais e árvores no campo, é certo - mas o sol estava como que proibido de brilhar ali, pois são as nuvens quem manda."


Madalena fechou o diário que encontrara há instantes no sótão proibido. Nunca se atrevera a entrar lá.
Com 16 anos vividos, duas lágrimas rolaram pela sua cara. Levou o diário consigo, apertado ao coração, e fechou a porta do sótão.

Ela sabia que ainda podia optar pela outra janela.

domingo, 22 de junho de 2008

Escreve

Escreve. Escreve sobre os pássaros e sobre os automóveis. Escreve sobre os muros e sobre as mesas. Escreve sobre papoilas, pedras da calçada, pneus furados, parafusos velhos. Escreve sobre a memória, sobre a terceira idadade, sobre a adolescência. Escreve sobre o som, sobre o aroma, sobre a visão, sobre o tacto. Escreve sobre os cabelos, sobre as cobras e sobre as nuvens. Escreve sobre a radiação e sobre os planetas. Escreve sobre os hipopótamos, sobre os gnus, sobre os leopardos. Escreve contente, feliz, triste, emotiva, chorona, rezingona, sonolenta, cansada, fascinada. Escreve a actuar, a fazer de conta, a gritar, a tremer. Escreve a pensar, escreve a desenhar. Escreve com desenhos, com dedos, com o cérebro, com os olhos, com a imaginação.
Mas acima de tudo escreve. E nunca deixes de escrever.

Para C.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Uma questão de compreensão II

James e Lauren eram um casal muito próximo. Mantiveram uma relação durante, aproximadamente, 10 anos, tendo já dado o nó na Igreja mais perto de sua casa, em Birmingham.
A sua relação era completa e feliz, tinham tudo o que dois parceiros podem exigir um do outro. Carinho, afecto, compreensão, ternura. Tiveram partilhado tudo, e quase tudo, desde os próprios corpos até às próprias almas e corações.
O fim de tarde estava a antecipar-se, o Outono terminaria dentro de alguns dias. Havia folhas castanhas no chão e as pessoas andavam agitadas, de um lado para o outro, como se não soubessem o que fazer.
James queria surpreender Lauren. Após alguns dias de reflexão, concluiu que o melhor seria oferecer-lhe um presente, mesmo comprado com a sua conta conjunta. Laruen havia de, certamente, adorar, como tivera adorado todos os momentos que passaram juntos. Deixou Lauren no jardim, abandonando-a com sorrisos cúmplices e dirigindo-se para uma loja.
A ourivesaria foi tomada de assalto por um grupo de 4 pessoas encapuzadas, que alvejaram todos os clientes. James faleceu.
No jardim, Lauren sentiu um enorme aperto no coração. Esperou pelos ponteiros do relógio, acompanhou o tic tac. Já passava das 10 da noite e nada mais se via sem serem carros a passar pela estrada.
Levantou-se, caminhou até à ponte e atirou-se para o rio.

Uma questão de compreensão I

Caminhava a passos curtos e mudos, no corredor do hospital. Sentia um aperto no estômago e tinha medo de abrir a porta que estava, agora, à sua frente.
Tomou coragem. Esqueceu os fantasmas e os assombramentos que lhe incomodavam o pensamento.
Lá dentro havia uma atmosfera pesada. Havia uma senhora a chorar.
- Estou aqui, contigo. Não partas agora, vamos superar isto juntos.
A senhora agarrava a mão de um homem deitado numa maca, com muita força.
Sem palavras, saiu do quarto. Percebera o quão importante as pessoas podem ser umas para as outras.